sábado, 22 de agosto de 2009

Inovação


Era uma sexta-feira.

Eu não me importei ao te buscar para minhas lamentações.

Senti que as alguras do passado volveriam cá nesses tempos, os mesmos de outrora.
Eu até, repensava às vésperas o quão foi igual, e o quão foi diferente, do período anterior e do período de agora.
Novas (re)descobertas, novos (velhos) sonhos, viagens, paixões...


E então, eis que naquela noite, ao preparar a ceia, ela me revelou, em tom de aviso que a cena poderia repetir-se. E seu discurso sério em detalhes, e suas ações planejadas me causaram um misto de consciência de que os comportamentos se repetem e de rejeição de não querer vivenciar novamente aquele cenário.


Eu entristeci, desconcentrei e me sufoquei.
Foi quando decidi, "quero inovar contigo".
Precisava escoar a agonia sentida e o medo que aparecia.


Não hesitei. Cumplicidade, afinidade nos bastaram para nossa relação aperfeiçoar. Foi mais que um pedido de socorro, foi a confirmação de que a balança pode pesar mais de uma lado e de que serei amparada se pender.

Agora sei, conjurar alegrias, dores, frustrações, sonhos...eis o nosso mais novo espaço que em grego ou russo acontece, quem se importa, nos entendemos, mesmo que às vezes sem palavras...

Vivência


E enquanto eu esperava alguém para ser atendida, ela discretamente sentou próximo a mim, olhei para ela e sorri acolhedoramente, sabia eu, era avó de algum bebê. Ela retribuiu o sorriso e pegou seu livro para ler. Continuei minha espera, mas naquele dia, poucas mães a se acompanhar, mas muitas coisas a tricotar.


Dias depois, um pai veio na salinha onde eu estava e disse, "vem conversar com uma avozinha que ela está muito nervosa". Rapidamente, deixei o que fazia para ir em socorro daquela que precisava de apoio. Para meu espanto, quando me aproximei dela, quem era a avó? Aquela mesma, quieta no seu canto da outra vez. E nossa, estava chorando...estava só, estava desolada e sufocada. Quantas coisas podem cercar uma pessoa, pensei.Vó dedicada, pensando vir para ajudar nos primeiros cuidados de sua netinha, não imaginou que o caminho tomaria outra estrada, de precisar ser internada e passar umas longas semanas na uti neonatal. Quanto sofrimento ela narrava e, ao redor de seus olhos molhados traçados pelas marcas do tempo, via nela uma tristeza contida, lidando com as mudanças e com uma realidade nunca desejada a sua filha e muito menos a sua neta. E contava saudosa de sua família que longe estava, e lhe traziam o conforto, o carinho, a companhia que estava lhe fazendo falta nesse momento.


Quanto mais aguentaria nesse ritmo? O quanto vale a sua vivência, e paciência para aturar os percalços que a vida lhe imprimia e descaso dos outros. Entretanto, percebi que uma coisa a sutentava: a fé de que a neta melhorasse e assim, pudesse retornar ao seu lar.

É...esperar e torcer...fazer por onde as coisas acontecerem porque nada caminha só pela força do pensamento. Sim, ela tinha consciência disso, mas infelizmente, aquela situação de internação hospitalar não havia muita coisa a fazer, os médicos já estavam cuidando.

Então, os dias passaram e outras conversas tivemos, em cada sinal da idade impressa em sua pele, sua história contada a mim,mostrava o quanto ela já sofrera, já vivera e agora, enfrentava a imaturidade e a prematuridade de outros. Ela me narrava então, do quão diferente poderiam ser os destinos "se" tal coisa assim, "se" tal coisa assado...um efeito borboleta...quanta coisa seria diferente! É, imagino a barra que deve ser enfrentar novos modos de viver diferentes do que se está acostumado e aguentar desgostosa calada. Sozinha. Mas, o apego às possibilidades nunca existidas não a ajudariam a atravessar esse caminho. Pensar em coisas boas é melhor, e se a fé ajuda, por que não?

...


A cada fim de escuta, palavras de gratidão e de carinho.


Meu horário de trabalho cumprido e desci as escadas feliz, mais uma missão cumprida. Saí pensando como a gente pode fazer uma diferença na vida de alguém e de como fiz e tenho feito para alguém nesses dias. E o melhor, poder confirmar isso.


Meu desejo, além de que a netinha melhore e ver que a corrente que se seguirá é de que a avozinha volte tranquila para sua terra? Sem dúvida é a de ter certeza que positivamente, essa troca de experiência de ajuda, faz a diferença na vida, não só de quem a pede, mas principalmente, na de quem oferece.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009


Doutor,


Quanto tempo! Dessa vez me sinto não tão necessitada da dose quase habitual, talvez já esteja sem efeito...


Como andarei assim?Eu há um tempo me perguntava e sequer gostava de pensar isso, mas hoje vejo que sobrevivo sem. Graças!


Estás se aperfeiçoando e eu vivendo e encontrando muita felix felicis.


Mas, sinto pelas metáforas e antigos costumes...


Lamento, sim lamento e sei que as coisas passam, o organismo se habitua. O importante é que ainda estamos aqui, talvez mais espaçadamente...em conta-gotas eu diria. Tudo bem, não faz mal, doses demais intoxica, não é?


Mas mando esse alô saudadoso. Daqueles gostosos...estou saudavelmente bem, não há com que se preocupar.


Espero pela temporada da anatomia.


Um forte abraço!


Encantada

domingo, 9 de agosto de 2009

O senhor das memórias


Das datas da história sabe todas.

Dos lances de cada jogo do seu time preferido sabe todos.

Dos nomes científicos das plantas, nunca esquece.

Dos remédios para quem está doente, sempre oferece.



Recitar Navio Negreiro de cor é só uma de suas habilidades, além de outros desafios poéticos.


Religioso, sim, um homem de fé.


Bem humorado, adora contar anedotas degustando um bom e gostoso vinho.


Nunca aprendeu nenhum instrumento, mas faz a alegria da casa quando resolve tocar a sua gaita, entoando o hino do clube predileto, músicas eruditas, marchinhas de carnaval e outras canções.


Fala em códigos, siglas, metonímias. Dá boa tarde aos jornalistas na hora do jornal televisivo. Diz não acompanhar a novela das nove, mas bem que lê o resumo da semana nos jornais.


Reposta tem sempre uma na ponta da língua e quando, sem uma resposta convincente, enrola o público. Não é à toa que estudou as leis...


Para dormir? Não precisa deitar, é só encostar a cabeça em um lugar e pronto. Não ouve e nem vê mais nada. Sono REM, em questão de poucos minutos, apesar de sempre dizer que não estava dormindo...


Viajar, passear, é um convite sempre aceito. Guia turístico não precisa, ele sabe todos os caminhos e as histórias das pessoas ou as datas que nomeiam as ruas das cidades.


Um senhor de altas habilidades e muitas caridades. Um lutador na vida com uma paciência de Jó, e uma calma sem cessar. Pela sua família, sempre soube zelar.


Ele? Um abaetetubense, com muito orgulho! O Marechal.


- Tendo o açaí, o almoço está feito!Se tiver um pirarucu, não reclamo de nada...
O senhor das histórias
Aquele que nem sabia se viria um menino ou uma menina.

Aquele que comemorou tomando umas cervejas no dia que nasceu seu filho caçula.

Aquele que não se importou com as notas baixas, pois o importante era passar de ano.

Aquele que não costumava acompanhar nas apresentações escolares, nas orações da igreja, nas festinhas em família, nas brincadeiras de julho, no momento de televisão.

Aquele que não estudou junto para as provas.


Aquele que pouco viu seus filhos crescerem...saindo muito, buscando seu ganha pão...mas apesar de pouco conviver...preocupava-se com o futuro de suas criações, tinha orgulho delas. Orientava, brigava, fazia gracinhas.

Era o senhor da casa, era o senhor da razão. Sempre. Ou assim ele pensava ser...seu pequeno castelo da idade média, com suas regras rígidas, estamentos, obrigações e muitas vezes...em argumentos sem razão.


Mas ele não percebia nada disso. Por isso, nada abalava seu modo de ver e viver a vida.


Não era rei, nem cavaleiro, nem servo jamais admitiria ser.

Era o genitor. O chefe da casa. A Autoridade.


Seu estilo parental? Era preferível não saber.


Poderia viver de sonhos, num mundo paralelo, com ouros e patentes.


Quem destruiria sua fortaleza? Sua forma de aprender a viver e enfrentar os males da vida? Ninguém ousa abalar a estrutura de alguém que não tem meios para construir outro alicerce.


Alguém que teve sua história marcada por incidentes nada agradáveis, hoje vive de histórias...agradáveis...E não podia se tornar outra coisa senão, um historiador.


"Deixai viver, deixai passar que o mundo caminha por si só."

Ele? Um carioca, com muito orgulho! Com o jeitinho brasileiro de se viver...


... -E pode beber à vontade que essa rodada é por minha conta!