sexta-feira, 13 de março de 2009


Arteiro que só vendo! Tinha fixação por muros. Adorava escalá-los, andar no limiar, sentir-se o mais alto, o dono da visão privilegiada, que olhava o que havia do lado de fora e o que havia do lado de dentro.

Nessas peraltices, já escapara de muito acidente sério e tivera uma perna quebrada. Sua mãe vivia lhe dizendo para não ficar subindo nos muros, e não só por causa de acidentes, ora "os vizinhos podem não gostar", dizia aflita. Mas que nada, vai convencer um menino de nove anos a não subir em muro! Uma tarefa impossível.

Mil e uma estórias inventava: era a polícia, era o ladrão; era o pirata, era o alpinista, era o equilibrista...ou, era simplesmente um garotinho esperto que consegue roubar goiaba da casa do vizinho e não ser pego! Era demais! O mundo lhe privara de amigos, de irmãos, de parentes. Ele e sua mãe. Até que tinha vizinhos gentis, que lhe ofereciam um bolo, um doce, ou um pião. Mas, ninguém escalava os muros com ele. Ninguém fingia ser o mais esperto escoteiro, para disputar e rir depois. Para saborear a fruta roubada. Para fazer armadilhas e mesmo quase sendo pegos, livrando-se do sufoco, depois do susto, ja se preparar para as novas traquinagens. Não. Sem companhias. O mundo lhe fora cruel. Assim, o garoto recompensava. Pular de muro em muro. Essa era sua rotina favorita.

Por vezes explorava o outro lado do muro, pela curiosidade incessante; outras vezes apreciava a fachada, a pintura, a linearidade, os detalhes, o alicerce, a altura. Podia horas apreciar, dias, sem aquele muro macular. O menino que vê e sente. Poderia ser apenas o soldado, que guarda o território do castelo.

Por vezes, nem gastava tempo precioso olhando. Subia, contactando com o material do muro. Às vezes, de fácil escalada, às vezes mais árdua. Mas o sacrifício, para suas pequenas mãos, valia a pena. Pois no topo, tinha a visão, do que ficou de fora e do que há atrás do muro. Muitas vezes ele não dava um centavo pelo o que poderia haver atrás do muro, apenas pela sua aparência e, veja só, quantas vezes se enganara. Aprendera que a fachada do muro nem sempre lhe diz o que há por detrás dele.

É claro, que nem sempre a panorâmica lhe chamava atenção, então nem se atrevia a explorar o terreno. Simplesmente,voltava para o lado de fora. Quando a panorâmica lhe interessava, saltava para dentro. Às vezes apenas para sentir a sensação de pisar em território alheio, roubar uma fruta, deixar uma marca no tronco de uma árvore, e voltar correndo antes que algum cão de guarda o pegasse, ou até mesmo, para fugir do castigo, caso fosse pego no seu delito. Assim, era apenas uma visita rápida ao território desconhecido, só pegar o que queria, uma fruta, uma flor, um inseto, uma pedra... e acabar não sentindo a magia do lugar, não experimentar o que a terra poderia oferecer. Outras vezes, não era apenas uma peraltice de criança, saltava cuidadoso, andando a passos miúdos, apreciando cada detalhe do cenário em exploração. Colhendo conhecimentos. Formas, sons, tessituras. Sabia, nessa rotina de escalada, que muitas vezes o cenário engana. Em cima do muro, a totalidade do terreno pode ser vista, agradar de primeira e ao se aproximar, se assustar com os detalhes não vistos de cima do muro, ou o oposto, depreciar o cenário inicialmente, mas olhando atentamente, acabar se surpreendendo com as vírgulas.

O menino adorava explorar muros. E nessas escaladas, colecionara seus muros e terrenos favoritos. Aqueles terrenos que fascinavam, que não podiam deixar de ser visitados. E era um prazer, não só explorar e conhecer do terreno cada vez mais, como também, descrever sua particularidades, saber das belezas e feiuras. E eram nesses terrenos prediletos, de cor e salteado, que encontrava a segurança. Lá estava a salvo da turma do Duda que sempre implicavam com ele, do medo de levar bronca da mãezinha aflita; chorava quando sentia-se triste, fora para lá que tivera conforto em chorar quando seu cachorrinho morreu, sem olhares adultos por perto; terrenos de fomentar sonhos sem recriminações intelectuais. Seus muros e terrenos favoritos eram seu conforto. Deitar na grama e olhar para as nuvens...brincar de ver figuras nas nuvens que o vento sempre formava...ver o vôo das aves...os aviões ao longe passando, sem nem barulho fazer, de tranquilidade de ler um conto e se distrair com o canto de um sabiá, do caminho das formigas que adorava observar, das minhocas escondidas bem nas profundezas e , principalmente, de apreciar o céu ser um camaleão e receber o brilho das estrelas, pelo seus olhos miudos, lunetas xeretas.

É, o menino arteiro, também tinha seus momentos de calma, de contemplação. Vivia só, seu mundo era feito dos muros, das suas formas e detalhes; do terreno que escondia; da natureza que guardava; das lembranças que evocava; das promessas que trazia.

De muro em muro ia andando, ou pulando, ou escalando, ou só de fora, sem se atrever a ultrapassar. Quem sabe, pra preservar a imaginação do que poderá haver atrás dele? Mas, no afã de conhecer o lado de dentro, o que há por detrás daquela edificação, nem sempre pensava duas vezes. Pulava mesmo. E se caísse de mal jeito, era fratura na certa, como já sabia ou se desse sorte, alguns arranhões, uma leve torção e sujeira da terra. O aviso da mãe sempre lhe vinha à cabeça, por isso, mesmo às vezes arriscando-se, procurava ter cuidado, ja que uma perna quebrada que demorara meses pra sarar, também fora uma lição. Mas nem por isso ele deixava de buscar por muros e novos terrenos. Era sempre uma aventura, buscar o desconhecido! Imaginar o que há detrás daquele muro, por vezes sorrir e se encantar, por vezes se decepcionar.

Enquanto muros pudesse apreciar, escalar, se equilibrar, se aventurar, imaginar e terrenos explorar, pegar uma lembrança, reconfortar-se, aconchegar-se, não abandonaria esse vício. Essa vida. Mesmo com os perigos que poderia encontrar, um vizinho ranzinza, um cachoro bravo, formigueiro, quedas, até mesmo o susto de não conseguir voltar pro lado de fora, de ser uma subida dificil, o menino arteiro persitiria, pois sempre após um dia longo de exploração e estórias, teria o colo da mãe, após aquele lamento de preocupação acompanhado de leite quente com biscoitos na mesa para dois, mas com lugares vazios.
...
O menino peralta, senhor do muros, nem sonhava que no muro de sua propria casa, havia constantemente, voltado para sua direção, um par de olhos ansiosos e cheios de curiosidade de subir no muro do arteiro e explorar o seu terreno. Quem sabe, poderia dividir um biscoito com a díade solitária e preencher um daqueles lugares vazios? Quando será que o menino arteiro iria subir em seu próprio muro e explorar seu próprio terreno? Aquele par de olhos atentos adoraria saber e acompanhar o menino dos muros nessa jornada, tão rica quanto explorar muros e territórios alheios.

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